“Proteção à Família” do Conselho de Direitos Humanos da ONU
O Conselho de
Direitos humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), em seu 26° período de
sessões, aprovou a resolução de “Proteção à Família”, que reconhece a família
como o núcleo “natural e fundamental da sociedade, e tem direito a proteção por
parte da sociedade e o Estado”.
Dom João Carlos
Petrini, Bispo de Camaçari (BA), Presidente da Comissão Episcopal Pastoral
para a Vida e a Família e Diretor da seção brasileira do Pontificio Instituto
João Paulo II para Estudos sobre Matrimônio e Familia, em entrevista ao
A12.com, comentou a resolução da ONU.
A12 - Como
a Comissão Episcopal Pastoral para a Vida e Família da CNBB avalia a resolução
"Proteção à Família" da ONU?
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Dom João Carlos Petrini |
Dom Petrini - É
com grande alívio que tomamos conhecimento da resolução do Conselho de Direitos
humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), em seu 26° período de sessões
de “Proteção à Família”, na qual a família é reconhecida como o núcleo “natural
e fundamental da sociedade, e tem direito a proteção por parte da sociedade e o
Estado”.
Trata-se de uma
decisão importante e muito inesperada. O mundo da comunicação e também o mundo
político pode ser alimentado e movido por informações que correspondem à
realidade, observada a partir de estudos científicos sérios. Mas, pode ser
alimentado também por ideologias elaboradas por grupos de militantes que não
correspondem à realidade assim como ela pode ser observada, antes, tem como
objetivo desconstruir a realidade da família, mesmo em sua positividade,
procurando construir em seu lugar outra coisa, a partir das imagens que a ideologia
sugere.
Existem muitos
estudos¹ que, a partir de investigações de caráter científico, chegam à
conclusão de que a família constitui um recurso essencial para o crescimento da
pessoa e para o desenvolvimento da sociedade.
A12 - É
possível dizer que há uma tendência dos últimos tempos de tratar a família
como o centro dos conflitos? Por quê?
Dom Petrini - A
família enfrenta circunstâncias sociais e culturais adversas. Por exemplo, as
exigências atuais do trabalho não somente demandam muitas horas fora de casa
que aumentam pelas dificuldades da mobilidade urbana. Esta circunstância afeta
não somente os homens, mas também as mulheres. Além disso, especialmente quem
está em cargo executivo, necessita viajar de uma capital a outra para responder
às necessidades das empresas. Já nos anos 80, o sociólogo alemão Ulrich Beck
afirmava que na sociedade moderna plenamente realizada não há lugar para a
família, não há lugar para os filhos. Além dessas dificuldades objetivas,
existem grupos que atribuem à família os piores males que afetam a mulher e os
adolescentes: violências e opressões de todos os tipos. Por isso, a solução
seria “des-familiarizar”, reduzir a família ao mínimo.
Já muitos passos
foram dados nesse sentido. Um deles é a equiparação da família com qualquer
convivência sob o mesmo teto motivada por algum tipo de afetividade: se tudo é
família, então, nada é família. Perdem-se as características constitutivas da
realidade familiar que tiveram vigência desde Adão e Eva até outro dia. Outro
passo é a tentativa de suprimir as palavras pai e mãe, substituindo-as
com genitor A e genitor B. As figuras do pai e da mãe seriam reduzidas a (ou
trocadas por) cuidadores. Isto quer dizer que as relações de paternidade e de
maternidade perdem suas características constitutivas da existência das novas
gerações e são substituídas por relações de tipo funcional, que por natureza
são intercambiáveis. Esta operação ousada de anulação da parentalidade poderá
ter muitas consequências atualmente não consideradas.
A12 - Se
há uma tendência dos últimos tempos de tratar a família como o centro dos
conflitos, como reverter isso?
Dom Petrini - A
família é como a busca por liberdade: podemos viver no regime mais autoritário
e opressor do mundo ou no país mais injusto e corrupto, capaz de entorpecer as
pessoas intimidando-as e procurando persuadi-las de que o poder deles é
invencível, tudo banalizando para esvaziar significados e inibir desejos. Assim
mesmo, sempre haverá pessoas sonhando com liberdade e justiça, planejando
formas de reverter a situação. De fato, a família, de um lado, se adapta a este
mundo moderno e às mudanças que ocorrem na sociedade e, de outro lado, resiste,
procurando driblar as adversidades.
Nesse sentido, a
família, seu modo de organizar suas relações internas (a conjugalidade, a
paternidade e a maternidade, a fraternidade, etc.) e as relações com o contexto
sociocultural, será sempre mais fruto de uma escolha livre e consciente das
pessoas.
Existem muitas
famílias novas, que assimilaram os valores mais importantes da cultura moderna,
tais como a igualdade entre os sexos e o diálogo entre as gerações, rejeitando
atitudes autoritárias próprias do machismo e estilo disciplinador de educar os
filhos. No entanto, preservam valores que são considerados próprios da tradição
(não modernos) tais como a fidelidade conjugal, a dedicação aos filhos, a
disponibilidade ao sacrifício pessoal para o bem de outro e do conjunto. São as
famílias ligadas à Pastoral Familiar e as que nascem de grandes Movimentos
Católicos e de Novas Comunidades.
A12 - O Brasil
foi um país que se absteve do voto nessa resolução da ONU. Como podemos avaliar
a proteção às famílias em nosso país?
Dom Petrini - No
Brasil, a proteção à família está garantida na constituição. Além disso, a
grande maioria das pessoas preza pela família, mesmo quando esta parece
dissolver-se em suas mãos, sem compreender o que está acontecendo. De fato,
cerca de 90% da população brasileira considera a família como o maior valor. E
cada um deseja que a sua família dure no tempo.
No entanto,
lideranças com alta escolaridade e com influência nos meios de comunicação e em
áreas do poder político não hesitam em ir contra a vontade da maioria,
procurando variados meios para impor sua visão. Evidentemente, não interessa a
realidade popular e menos ainda a democracia e, sim, a imagem ideologicamente
elaborada de uma sociedade sem pais e sem mães, com formas familiares de breve
duração que possam ser produzidas à vontade, com exigências e responsabilidades
reduzidas ao mínimo.
Não é difícil
observar, nesse horizonte, o emergir de modos desumanos de conviver, situações
sempre mais difusas de solidão, necessidade de evadir-se da realidade com
consumo de grandes quantidades de álcool e de drogas, com índices assustadores
de violência.
A família,
fundada no vínculo indissolúvel do matrimônio, constituída por um homem e uma
mulher e por eventuais filhos, é o modo melhor de viver o amor humano, a
maternidade, a paternidade, porque corresponde ao desígnio de Deus, é o caminho
da maior realização humana e, ao mesmo tempo, constitui o bem mais decisivo
para que a sociedade cresça na paz. Por isso, o Bem-aventurado João Paulo II,
na Familiaris Consortio afirmava: “O futuro da humanidade passa
através da família”.
O testemunho de
uma humanidade redimida, de pessoas realizadas e felizes na família cristã
poderá vencer o vazio de humanidade que se percebe no quotidiano e que é
alimentado pela ideologia do relativismo e do individualismo. Assim, nasce a
família missionária, capaz de comunicar aos outros a alegria, a beleza e a paz
de que faz experiência. Uma realidade assim pode existir somente como fruto de
uma educação que oferece aos membros da família as razões para decidir
livremente suas escolhas de vida.
¹ Estudos que
vão desde o Perry Preschool Program e das considerações sobre seus resultados
elaboradas por James Heckman em Stimulating the Young que podem ser
vistas no sito “The American” e na transmissão radiofônica na National
Public Radio do dia 05 de agosto de 2009, “Scholar: Early Education Makes
all the difference”, podendo continuar com os estudos de D. W. Winnicot e os de
Pierpaolo Donati da Universidade de Bolonha ou os estudos de E. Scabini e G.
Rossi da Universidade Cattolica de Milão, por exemplo, no livro La
ricchezza delle Famiglie.
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